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Mensagem de Boas Vindas

Este blogue é feito por Amigos para Amigos, porque a Amizade é uma das melhores coisas da vida. Quem vier por bem será bem acolhido. Sejam bem vindos!

Se ainda fosse Natal

por Henrique Antunes Ferreira, em 29.12.15

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 Vou à festa!!! Venhooo da feeesstttaaa… Desde sempre a alegria de ir prá farra é dito por quem vai num tom álacre, de satisfação, à espera do que se encontrará, do que se comprará, do carrocel, da roda gigante, dos carrinhos eléctricos, do túnel do amor, da cigana Marianita que sabe a sorte da gente e conta a vida toda, são só quinze tostões e dos vendedores de panelas, a tombola vai rodar, meninas e senhoras concorram, a sorte não escolhe a felizarda, mas pode ser que desta vez… e o cavalheiro de bigode e que usa óculos, que está ali à ponta, também vai concorrer, basta comprar o número ou vários, quantos mais compre, mais pode acertar, vai andar a rodaaaa!!! Voltar é que é uma porra, com os pés a arrastar…

 

 

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Era assim quando Godofredo com os seus sete anitos, ia com os pais à Feira Popular. Que na altura tinha um significado especial: a sua receita ia para a Colónia Balnear do “Século”. Depois de percorrer todos os divertimentos ó pai posso andar no carrocel, posso comer algodão doce? Posso? Posso? E o Matias a desembolsar, os maridos existem para pagar, é só por esta vez, e a dona Gertrudes, sobraçando uma torre de tachos, o alumínio não é lá grande coisa, mas por vinte e cinco tostões é barata a feira, quando as mostrar à tua irmã Pulquéria vai-me invejar, mas a mana já viu, os fundos dos tachos são finíssimos, mais cedo do que espera vai ao fulineiro para lhes deitar uns pingos. Ela vai ter é dor de corno. De cotovelo, mulher, deixa a mana sossegada, estás sempre a dizer mal dela, Matias ela é uma ranhosa e intriguista e invejosa.

 

Faltam apenas as barracas da sardinha assada com salada de alface, cebola e muitos pimentos e vinho de barril que nem para na garganta, ó pai, eu quero comer uma bifana num papo-seco e batatas fritas, ai comes, comes uma chapada nas trombas e deixa-te de choradeiras, os meninos não têm gostos, muito menos fazem encomendas, mas ó Matias a criança não gosta de sardinhada, pronto, venha a bifana - limpa-lhe o ranho do nariz… - e pra beber um pirolito. Com berlinde, pai? Posso partir a garrafa? Matias não diz que sim, nem que não, pode haver por ali um chui e está o caldo entornado. Mas no fundo e para dentro ordena  – parte!

 

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Acabou-se o Natal não há mais pinheiro, serrado à noite em Monsanto, proibidíssimo, meteu-se o presépio na caixa de sapatos onde fica a marinar, agora só para o ano, já se comeu a roupa velha, depois voltará à escola, à carteira fazendo dupla com o Jacinto, às folhas de papel almaço, ao quadro preto, ao giz, à Bufa (a Mocidade Portuguesa) e à dona Pulquéria e ao ponteiro e à menina dos cinco olhos e às orelhas de burro, à janela para toda a gente ver, que era o que chateava mais. Caluda seus molengões, não quero ouvir uma mosca, vamos ao ditado! Cada erro, cada palmada, seus galdérios!

 

Mas, o Jacinto a bichanar, o que foi que te deu o Menino Jesus, então não havia o Pai Natal, um cavalo com rodas, castanho com selim encanado e tudo, até rédeas. O ponteiro bateu-lhe numa orelha, doeu, mas não chorou, aguentou firme que nem uma rocha. Se ainda fosse Natal…

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O Menino e o Benfica

por Henrique Antunes Ferreira, em 24.12.15

  

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No domingo tinha visto na televisão o que julgava ser o último desastre do Sporting de Jorge Jesus: na Madeira o União pregou 1 – 0 aos lagartos. Uns dias atrás registara-se na Pedreira, Braga 4 – rival 3. Agora é a Doyen que quer papar 12 milhões ao clube e até no handebol levaram seis de diferença contra o FêCêPê. Uma semana horribilis para o B. de C. Arre porra, que é demais. Um gânglio basal do meu cérebro faz com que eu pule de alegria: como já compreenderam sou benfiquista até à derradeira gota de sangue, Policarpo Eusébio, casado, um par de rebentos e – e bom chefe de família, nos tempos salazarentos dizia-se assim.

 

Acho que o Orelhas, oops, o Luís Filipe Vieira é o maior do mundo dos presidentes dos clubes do chuto na canela (Falam os insidiosos e ingratos nuns pneus com pó branco dentro que há anos comercializou, deixá-los falá-los); também tenho a certeza de que o Rui Costa anda muito apagado mas vai arrebitar e que o Rui Vitória (a quem alguns mal-intencionados ali das bandas da casa de banho da Catedral dizem que mudou de nome e agora é só Rui) que se ponha a pau… Ele vai-se safando, mas os assobios…

 

Curiosamente amanhã é o dia de Natal (mau, começam já as confusões do costume originadas pela pergunta: o Natal

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dos Ortodoxos é o mesmo do dos Católicos?) Ora bem convém-me explicar, se for capaz disso, o que realmente se passa. Milhões de cristãos ortodoxos celebram o Natal no dia sete do Janeiro que se avizinha. Mas todos os cristãos recordam a Natividade a 25 de Dezembro, ou seja amanhã. Essa agora, que raio de situação: dois dias diferentes são… o mesmo dia?

 

O culpado desta aparente divergência é o calendário, ou os calendários. Com a breca; dizem os ortodoxos que não há um Natal atrasado. Aceitemos, porque na matemática, pasme-se, dois mais dois são quatro, mas também podem ser cinco… Nunca gramei a desgraçada matemática, por isso não percebo puto dela. Adiante que aritmética e essas coisas não são para aqui chamadas. Diz quem sabe que a explicação é simples: a Igreja Ortodoxa nunca aceitou a reforma do calendário feita em 1582 pelo papa Gregório XIII (que, mais papista que o papa, Portugal adoptou imediatamente) e continuou utilizando o até então calendário Juliano, enquanto o mundo ocidental passou gradualmente a utilizar o calendário Gregoriano. Daí que pareça ser verdade: são os dois o mesmo dia. Por mim – passo.

 

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Posto isto, o olfacto diz-me que vem da cozinha um aroma composto de muitos cheiros. Já estão a cozer as batatas, as couves pencas, os brócolos e os ovos e obviamente o bacalhau. Já se cortam a cebola o alho e os coentros (cá em casa ninguém topa a salsa). Há outros acepipes para os que odeiam o ex- fiel amigo. E há as filhós, os coscorões, as azevias, os sonhos de abóbora e sem, o bolo-rei e até o mesmo, mas rainha. A árvore, ao canto da sala, já cintila e no presépio armado em cima da cristaleira ainda não chegaram os Reis Magos, ainda que  a Estrela pisque gloriosamente.

 

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Batem à porta, é o Chico Gordo, tão ferrenho como eu, com um cachecol vermelho e um saco de garrafas. A esposa vem albardada  com um bolo de bolachas e mais uns comes. Vêm da casa deles e trás atrelada a família. Boas festas e trálaralará. O caçula perdeu a chupeta e berra que nem quando os nossos metem mais uma batata. Cala-se perante a árvore de plástico made in China engalanada, quer deitar a mão às bolas, às luzes e às estrelas, todas ao mesmo tempo, mas a Elvira-mãe diz-lhe que isso não se faz.

 

O puto que tem três anos não lhe liga peva torna a avançar. O Chico perde a calma – este gajo fez-me doer a tola durante todo o dia – dá-lhe uma lambada (pequena) e o miúdo recomeça a berrar, quero, quero, quero. Da sala de jantar vem outro brado, todos prá mesa!!!.  O pessoal desloca-se para apreciar os manjares, dar-lhes uma olhadela e comer. A bebida é muito importante. Há um tinto reserva de Esremôs, há um branco da adega cooperativa de Pias. Um rosé Muralhas e digestivos: uisque da Irlanda do Norte Bushmills, gin Gordons, teqilla Serrana, porto Dona Maria, cachaça Tiradentes e outras indiscriminadas. Só da descrição um homem fica bêbadíssimo... O gaiafo não come bacalhau, nunca bebeu "alcoois"; fica-se por Ice tea, light, por mor do açúcar que estraga os dentes e outras maroteiras e enfarda almôndegas com esparguete. A vida é dura e enclacrada logo aos três anos...

 

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No presépio montado em redor da árvore de Natal, ideia da minha filha Becas, com a ajuda do tipo que vive com ela, o namorido Valentim, estão a chegar osTrês Magos. Belchior, Baltasar e Gaspar, com os respectivos camelos (ai tantos que há por aí...) e os pastores ajoelhados rodeadosde ovelhinhas. Por cima paia um anjo, pendurado por um fio de nylon  num ramo da árvore, a fingir que está a  pairar. A Estrela que orienta os visitantes tm uma lampada dentro nem precisa de GPS. A Senhora, José, o pai (?) da criança. não está lé o Espirito Santo que o Salgado já saiu da gaiola. Salvo pequenas diferenças os presépios são tos iguais. O Menino deitado nas palhinhas da manjedoura sorri em barro. E penso para mim próprio que ele deve ser do Glorioso.

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NE - O textículo acima diz bem da categoria indesmentível e incontornável do autor: ele até é sprtnguista!!!...  

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...

por Henrique Antunes Ferreira, em 19.12.15

 

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Tinha 834 presépios e orgulhava-se da sua colecção. Conhecia-os todos, de um para outro. Local onde adquirira este, preço que dera por aquele. Dona Adalgisa podia definir-se assim: solteirona (pelo menos homem não se lhe conhecia, só se fosse cego)  56 anos, esqueleto quase sempre coberto de preto, rata de sacristia e comia um bolo de arroz ao pequeno-almoço no café do Rosmaninho. Ressalve-se, um bolo, uma meia de leite e aos dias feriados um pãozinho com manteiga ou margarina, mais barata. Mas, agora aproximava-se pé ante pé o Natal. Bacalhau, sozinha? Não tinha contas bancárias; com o pouco que amealhava comprava mais presépios. Por isso não tinha cepa ou pouca sequer.

 

Renegava como boa beata que era, essa ideia estapafúrdia de terem abolido os feriados religiosos; com os civis, vá que não vá, alguns diziam que eram republicanos, da maçonaria, o primeiro de Dezembro não era nada disso, era a data gloriosa da Restauração da Independência de Portugal em 1640. No resto, podiam bem ser dispensados, a começar no 5 de Outubro, que até estátua tinha. Comemorar o 25 de Abril que fora a desgraça de muitos bons chefes de família? Ná.

 

Do pouco que conseguia arranjar lá vinha mais um estábulo com o Menino nas palhinhas, para além do óbolo para as vocações sacerdotais não gastava um cêntimo e se houvera moeda de meio, também isso aconteceria. O quarto andar sem elevador em que morava, comprara-o o tio Hermínio, já falecido e que em testamento lho doara.  Conta-se que quando os Reis Magos chegaram ao estábulo viram o Menico ladeado por um burro e uma vaca. O Baltazar perguntou:É isto a companhia de Jesus? Os jesuitas não gostam...

 

Esmolas nem vê-las os pedinchões tinham bom corpo para trabalhar. Dizia a tia Pulquéria que o trabalho dava saúde e bufava quando ouvia o irmão, o tio Marcelino, regougar completando o dito, sendo assim, que trabalhem os doentes. Marcelino sempre fora a ovelha negra da família, por vezes ela até ficava envergonhada por ter um tio malandro – que era o que era, um vadio sem eira nem beira, jogador e espanholas de Carcavelos.

 

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O prior padre Santana deu por falta dela, já há alguns dias os paramentos não tinham sido passados, o cálice das hóstias não estava polido e sobretudo o vinha de missa era uma zurrapa. Tentou averiguar o que lhe teria acontecido, perguntou às vizinhas se tinham dado conta dela, que não, ninguém a vira, podia estar doente e como vivia sozinha… Mas cheirava mal do apartamento, muito mesmo. Chegaram os bombeiros para arrombar a porta, faltava a licença camarária e a autorização da PSP. Foram busca-las. Seis horas depois chegaram, com carimbos e tudo.

 

24 de Dezembro - Arrombada a porta, um cheiro nauseabundo. A pestilência vinha do quarto da Dona Adalgisa. Estava na cama rodeada de presépios e em estado de putrefacção adiantadíssimo. O senhor da Pê Jota durante as averiguações contou 833 presépios; tinham-lhe roubado um, o mais caro. A autópsia concluiu: estava morta; nenhum órgão vital fora atingido; no corpo não fora possível descobrir orifício de bala ou lenho de arma branca; nas vísceras nem sombra de arsénico, curare ou de outro qualquer veneno. Conclusão: tinha morrido de susto, de desgosto – e de fome.

 

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Comentários e colaboradores

por Henrique Antunes Ferreira, em 15.12.15

 

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A partir de hoje os textos de A Travessa do Ferreira poderão ser comentados só durante quatro (4) dias após a sua publicação. Desta forma o autor pretende um espeço suficiente entre os posts, para publicar um novo..

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Aproveita-se a oportunidade de renovar o convite para quem pretenda aqui colaborar, o que desde já se agradece. Este blogue pretende ser feito, tal como reza o seu cabeçalho, por Amigas/os para Amigas/os. A Travessa espera pela vossa colaboração

Obrigado

Henrique Antunes Ferreira, o Leãozão

 

DADOS INFORMATIVOS:

Texto – até 470 palavras = 2 700 linhas sem espaços = 8 500 com espaços ( ARIAL  c/14)

Título – a indicar pela/o autora/o

Gravuras 1) a enviar pela/o autora/or máximo 6 (para serem escolhidas) - 2) escolhidas pelo boss.  

Paginação – boss do blogue

Periodicidade – uma/duas publicações por mês

Desde já e mais uma vez muito obrigado

O boss do blogue reseva-se o direito de recusar os artigos que lhe pareça não cumprir os requisitos mencionados ou cuja qualidade literária não corresponda ao que pretender publicar

Henrique Antunes Ferreira, o Leãozão

 

DE TRÊS EM TRÊS MESES SERÁ SORTEADO UM PRÈMIO MISTÉRIO ENTRE OS AUTORES DOS TEXTOS

 

NOTA IMPORTANTE- Entretanto continuarão a ser recebidos comentários para A VÉNUS DO BAIRRO

 

 

 

 

 

 

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...

por Henrique Antunes Ferreira, em 15.12.15

 

 A Vénus do bairro

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Dois amigos desde 1959; o Damião e o Bertolino. Mas enquanto o primeiro é de 42, o segundo de 52, ambos de boas colheitas. Damião é do Porto e já vai nos 73 anos, Bertolino fica-se pelos 66 e nasceu em Lisboa. Os dois estão reformados – e mal pagos. E ainda roubados pelas Finanças.  Local de poiso habitual: quinta das Conchas e dos Lilases. Especialidades: bisca sueca e xadrez. De tão repetidos os jogos, os mirones que os rodeiam costumam mandar bocas, ó pá eu cá não ia por aí, o gajo avança com o bispo, come-te o cavalo e estás lixado. Em seguida dá-te um xeque ao rei e já foste…

 

Porém se se trata da bisca, os ditos conseguem ser piores: cuidado, o tipo tem muitos trunfos e a dama come-te a sota, se não tiveres um ás na mão é uma bandeira. No caso vertente chegam-se à mesa mais dois parceiros recrutados entre os assistentes; calha bem, são sempre os mesmos, escusavam-se de fingir que era ao calhas ou ao pau de fósforo, nada disso são o Zebedeu e o Carinhas: Embaralha e torna a dar, cuidado s cartas estão marcadas, mas que ganda trafulhice!...

 

Hoje à tarde não houve jogatana. Damião, guloso e de olhar concupiscente, sabes uma coisa? Como é que eu ia saber, tu ainda não me disseste do que se trata? Vou já dizer-to, mas primeiro tens de jurar pelas sete chagas de Cristo que não dizes nada a ninguém. Feita a acta do juramento por via oral, não havia por ali papel azul para o escrever, nem testemunhas, muito menos tabelião, hei-de fazer requerimento à junta da freguesia para pôr aqui, pelo menos um praticante de auxiliar de experiente estagiário de escritório de notário.

 

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Tens cada ideia… Abre a boquinha e reza lá a estória. A minha vizinha Olinda que morava na porta em frente da minha… Morava? Homessa que esses termos até parece que ela morreu… E morreu mesmo; quando deram por ela já estava falecida e o cadáver, frio, até nem precisava de certidão de óbito. E depois? Depois já se mudou para o apartamento uma nova rapariga, bela como a Vénus… Quem? Esquece. Só te posso dizer, e ainda há pouco a vi pelo cantinho do olho, que deve ser a melhor vizinha do bairro. Curvas estonteantes, madeixas, olhos verdes e lábios de coral. Ganda sorte…, és um bacano. Se fosse eu (e não sou infelizmente) passava a jogar no Euromilhões.

 

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Bom, acaba lá com essa treta…Ó meu… Vê lá tu, logo me acorreu ao cristalino bestunto, a fita com a Marylin Monroe, “O pecado mora ao lado”. Chiça, Damião, ainda t’ alembras dela, tu tens cá uma memóira. Mas, embora tenhas visto essa boazona de viés, acaba lá a descrição. É mesmo boazona, tem praí uns sessenta e poucos mas ainda deve romper meias solas, carago… Porra, Damião, deve ser a Vénus do Paleolítico…

 

 

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O raio do ADN

por Henrique Antunes Ferreira, em 12.12.15

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Quando Dona Florinda faleceu, aliás confortada com todos os sacramentos da Santa Madre Igreja Católica Apostólica e Romana, a aldeia abanou, entrou em transe e quase em pânico, sobretudo quando o sino da igreja românica dobrou a finados.  Na tasca do Zé Pimpão pararam as cartas da sueca, as pedras do dominó e os copos de três da pipa ficaram esquecidos no balcão entre o barril e as gorjas dos que se preparavam para escorropichar o tinto até à última gota. Eu estava ali de férias e posso assegurar que – embora não tenha assistido ao evento à hora da morte – o que me chegou às mãos é mais ou menos a verdade.

 

Não quero ultrapassar o que me contaram pois se o fizera teria de escrever que os zagalos mandaram calar as ovelhas que soltavam os seus béeees  e até os cães interromperam suas corridas em torno do rebanho. Parece-me excessivo; outros segredaram-me, ainda que sem confirmação nem fontes seguras e fiáveis, o Manel dos recados, atrasado de nascimento, começara a ler o breviário do padre Santana, o pároco da freguesia. E a fonte da Fernandinha, - excelsa mulher a caminho da santidade no Vaticano na primeira classe do TGV - suspendera as suas três bicas (creio que provisoriamente). Podia lá ser, tanto milagre junto por certo que anunciava o fim do Mundo.

 

Porém, deitem-se para trás essas minudências e entre-se no cerne da questão, aliás simples mas simultaneamente difícil. Dona Florinda dos Santos Mateus era viúva do boticário José Francisco Silva Mateus (que Deus o guardasse à sua mão direita) e a pessoa mais rica da aldeia. Além de ser católica praticante com missa todos os dias e comunhão, virtudes não lhe faltavam. Do casamento não houvera descendentes. Ambos eram filhos únicos, não tinham irmãos, donde também não existiam quaisquer sobrinhos. Pais e padrinhos já tinham partido (para onde não sei); enfim não havia quaisquer herdeiros, pois a Senhora não fizera testamento.

 

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Eles eram courelas, eles eram tapadas, eles eram olivais, lagares, rebanhos, suínos e manadas de gado bovino – que se visse e se soubesse. As contas bancárias em duas agências na vila que ficava a uns dez, onze quilómetros deviam ser de boa monta, mas o dinheiro não tem cheiro e por mais que se apurassem as pituitárias, era realmente um mistério do danado do cofre. O gerente local correra o fecho éclair  da boca e mudo que nem gato morto recusava quaisquer pedidos. O Pimpão, muito chateado comentara que nem o gerente morre, nem a gente almoça, o que originara uns schius mas poucos

 

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Então o que aconteceria às massas florindásticas? O padre Santana, que a ouvira de confissão e lhe dera a extrema-unção, aventou que talvez as melhores destinatárias eram as obras episcopais para a construção de um seminário nas plagas africanas. O diabo era levantar os euros e dispor das terras e outros benefícios. Mas quando se veio a saber que o pároco, ultrapassadas todas as dificuldades, seria o testamentário, ou seja iria gerir o pilim, o povo levantou-se, fez uma manif, muniu-se de cartazes e quase enforcou o digno sacerdote na torre da igreja – românica. Contaram-me depois que a enorme riqueza da Dona Florinda fora parar às mãos de um filho ilegítimo da Senhora – naturalmente às escondidas do Mateus, a comprovar que um marido, mesmo no além, é sempre o último a saber. O raio do ADN dá cabo de toda a virtude…

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Vida de limpa-vidros

por Henrique Antunes Ferreira, em 09.12.15

  

Justamente na esquina das minhas duas ruas (um privilégio que poucos têm) o Marcolino prepara-se para limpar os vidros de um carro, pois por aquela zona há semáforos q.b. Está munido dos instrumentos da arte: mini rodo, escova, garrafa de água (hoje não é necessária pois choveu toda a noite), detergente - do mais baratinho, a crise aperta – um pano de camurça sintética e a imperdível esponja também a fingir de boa, para viaturas, de acordo com a embalagem plástica comprada no Pão de Açúcar.

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 O sujeito tem uma história para contar e para constar. Aos 29 anos recordava o seu percurso de vida acidentado, desde os tempos em que tinha andado no liceu, depois na faculdade descobrira que estudara para o… desemprego . Como sempre andara no ensino público, perguntara-se  o porquê e o para quê do Estado ter gastado tanta massa com ele. Um contra-senso, uma aberração, uma estupidez. Por mais que desse voltas ao assunto terminava sempre angustiado, desesperado, revoltado.

 

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 Um dia vira na RTP (também do Estado…) o primeiro-ministro de então, um tal Passos Coelho, a mandar os jovens licenciados emigrar, porque em Portugal não tinham trabalho. Porra!, nunca soubera que acontecia nada igual, nenhum país assim procedera, pareceu-lhe que na Roménia isso também ocorrera… Latinices. Mas ele estava em Portugal e não quisera sair do seu país para a estranja levando uma mala carregada de desilusões, o canudo num saco de plástico que então já se pagava.   

 

Dera por si como arrumador de carros (mas sem ser drogado) o que levou os outros dopados a olharem-no de viés e nem o jornal dobrado – que era a sua ferramenta – o livrara de insultos e até de cargas de porrada; ele invadira o território marcado pelos outros arrumadores. Não se safara com a peregrina ideia, deitou o jornal num contentor de lixo – também era de há quatro dias e uma gazeta morria no dia seguinte àquele que viera a público.

 

Avançou para um Maserati com a intenção de limpar o pára-brisas, mas o condutor chamou-lhe sacana de romeno, tirou o braço para fora e deu-lhe uma murraça. Caiu para trás justamente quando passava um porta-contentores da câmara e esborrachou-o como se fosse uma barata. Caiu o sinal verde e o dono do bólide arrancou. Pararam uns quantos condutores, mas já não havia nada a fazer . Chamem o INEM. E um cidadão que o conhecia dali: parece que não era romeno, era moldavo a língua é a mesma. Mas o que realmente acontecia – fora um português.

 

 

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Frases idiomáticas

por Henrique Antunes Ferreira, em 07.12.15

 

Há momentos e situações em que um homem é apanhado com as calças na mão. É tipicamente o caso de um adepto que perante a vitória da sua equipa diz que foi por poucochinho. Aliás o futebol tem expressões e frases idiomáticas que é melhor não transcrever por mor de algumas pessoas mais sensíveis; mas apesar disso vou contar uma estória que mete muitas dessas frases. Perdoar-me-ão, mas não resisto. 

 

O meu vizinho do 12º andar Frente é o Senhor Manuel João Martins,  empresário de construção civil (politicamente correcto pois antes era mestre de obras)  aposentado e vivendo dos rendimentos – que não devem ser poucos –  botando discurso, cá para mim as pensões são coisas sem pés nem cabeça e penso que também trazem pedra no sapato. E arrota do bacalhau com grão, o que os gajos do Governo Costa devem fazer é pôr as barbas de molho.

 

O Guedes, por seu turno é pensionista das antigas caixas de previdência e afirma com convicção que os “desgraçados” governantes que inventaram a PAF nas eleições para o Parlamento, lhe tinham roubado – e acentua roubado – uma boa parte da pensão que já era miserável e mais miserável ficou. É de um homem ficar de cabelos em pé. Pelos gajos eu não poria a mão no fogo. Sempre o disse e repito.

 

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 Egas Moniz

 

Raul Mendonça fora dono da Farmácia Tabuense, tive de a fechar, estava arruinado, com o aumento dos impostos não dava para um homem tirar uns cêntimos; e os ajudantes ficaram a ver navios, e eu estava farto de engolir sapos e nem tinha uma carta na manga. Antes optei por fechar o estaminé, pois já estava com a corda ao pescoço como o Egas Moniz quando se apresentou ao Afonso Henriques dizem que em Guimarães.

 

Para completar o quarteto da bisca lambida, o Chico funileiro da velha guarda acrescenta, um tanto ensonado, mas não vale a pena

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chorar sobre o leite derramado. Eu cá não vejo qualquer luz ao fundo do túnel, mais a mais com os chineses a mandar na EDP. De Portugal? Da República Popular da China é o que é. O que a malta dos pequenos devia fazer era pagar-lhes na mesma moeda. São uns verdadeiros testas de ferro de Pequim e… atalha o Martins, Beijing. Como pode ver-se não é só Martins que é fã das frases idiomáticas… Voltam à bisca, um ás vale mais que um rei, mas eu tenho um valete de trunfo, já vos demos um capote.

 

Mas não dicam por aqui as frases supra citadas; os termos usados pelos jogadores  - está no papo, com trunfo são duas, Vai pró caral... batota não, Como em todos os jogos há momentos de maior tensão (atenção: escrevi tensão...) Eu embarralho e tu cortas: estás a cortar ou a borrar-te de medo? Trouxeste cuecas castanhas?..Santa Paciência de quem jão faz nada e passa os dias a jogar à bisca pois já não teu cacau, a reforma é curta e é melhor estar sentado do quem pé... Sou reformado mas não jogo ao que quer que seja. Nem mesmo a feijões. E retiro-me do parque resmoneando; dali posso lavar as mãos como fez o Pilatos.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

 

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por Henrique Antunes Ferreira, em 02.12.15

Cartazes Eleitorais 

 

 

 

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 Isto do “devia fazer-se” parece ter os dias contados. Entre um milhão de coisas e de situações, aqui refiro-me aos cartazes eleitorais. Os cidadãos parece já estarem habituados a que eles permaneçam, impávidos e serenos espalhados pelas artérias em grandes painéis pintados pelas paredes, afixados nos candeeiros municipais, etc. Se bem se recordam, a CML criou em tempos uns placards onde devia fazer, pelo menos, as colagens. Foi chão que deu uvas.

 

A publicidade política em tempo de eleições ou mesmo antecedendo as campanhas eleitorais é compreensível, natural. Como todos sabem tais procedimentos também fazem parte da Liberdade e da Democracia. Abro aqui uma parentética: algumas ou alguns concorrentes não deviam exibir-se: as fotos delas fazem recordar as madamas das casas de meninas; os outros parecem ser os que vêem nos alertas da polícia: PROCURA-SE VIVO OU MORTO. É PERIGOSO E ESTÁ ARMADO…

 

Tenho um sujeito condómino do “meu” prédio que não anda muito longe (obviamente em termos faciais) do homo erectus ou dum

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jihadistas – dos que destruíram Palmyra, dos que atacaram o Charlie Hebdo, dos que perpetraram os ataques de Paris e outros mais crimes horrendos. À noite, quando regresso a casa rogo a quem quer que seja que não o encontre ao virar da esquina. Os ataques cardíacos estão cada vez mais em moda e com o meu peso (para além dos exercícios no ginásio pump) não posso correr a maratona, muito menos os cem metros.

 

Pois o cidadão concorreu a não sei em que lugar e posição pelo partido XPTBNZ (rigorosamente apartidário!) e apareceu, garboso e galhardo numa revoada de cartazes das mais diversas dimensões. E embora os homens da publicidade tivessem retocado a fotografia do sujeito, conseguiu ficar pior do que a Manuela Moura Guedes depois de ter feito a primeira plástica. Um desaforo; quem quisesse votar nele devia dirigir-me à Multiópticas onde pelo preço de uns óculos leva três.

 

Retomo o tema dos cartazes eleitorais: são os respectivos partidos que os devem retirar atempadamente e livrar o ambiente de tamanha poluição. Se o não fizessem haveria uma coima municipal: passar um ano com o meu condómino…      

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