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Mensagem de Boas Vindas

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Bilionários e miseráveis

por Henrique Antunes Ferreira, em 24.02.16

 Antunes Ferreira
No domingo fui a Mapuçá (hoje Mapusa embora se pronuncie da mesma maneira, mas a escrita hindu não tem acentos nem cês cedilhados…) a fim de fazer umas compras no seu mercado e para assistir a um baptizado. Coisa pequena: cerca de 500 convidados. Leia-se bem: quinhentos convidados. Já estive em casamentos com mais de dois mil bicos… Num deles aconteceu-me uma coisa original: apesar de os nubentes serem primos da Raquel – nem os conheci…

 

Já morei no que é a terceira cidade de Goa. Tipicamente indiana, ainda que habitada principalmente por goeses. Curioso: se perguntarmos a um cidadão natural de Goa, o que ele é, responderá que é goês. E os outros de diferentes estados da Índia? Indianos… Com o mesmo tom de pele, com os mesmos cabelos pretos escorridos, a resposta é, por vezes, estrangeiros…Idiossincrasia muito especial, por certo influenciada pelos Portugueses.

 

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Fomos no táxi do Premanand nosso motorista/secretário ele auto apelida-se assim que já nos transporta há mais de sete anos, excepto no ano passado em que tinha sido operado a seis obstruções cardíacas. E a partir de agora também nosso filho. Pelos vistos basta vir cá e logo aumenta a família.De Miramar a Mapuçá são cerca de dezasseis quilómetros. Mas o tráfego é o que é: demorámos mais de meia hora, quiçá mesmo quarenta e oito minutos que os contei – só para ter uma certeza… Pelo caminho deparámos com um facto inusitado: um semáforo! Que se divide em três colunas, mas realmente é um, tal como a Santíssima Trindade. Parece que foram comprados dois, mas o segundo ainda está nas mãos das comissões que estudam onde será instalado desde há dois anos... quiçá três ou quatro. Numa terra onde os muito ricos e os muito pobres constituem uma dicotomia indescritível, a miséria muitíssimo maior do a riqueza Goa é... Índia.

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Perante esta situação veio-me à memória o meu professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa, Marcelo Caetano, nos anos sessenta (estas recordações dizem-me já estou mesmo velho não gaiteiro, mas com a cabeça ainda cimo do tronco). Dizia o insigne Mestre (que em minha opinião devia ter continuado a carreira universitária e não vir a dar cabo dela com a assumpção do cargo de Presidente do Conselho) que em Portugal quando não se pretende concluir um processo, nomeia-se uma comissão. E apontando enfaticamente para ele próprio "e quando se pretende alcançar um objectivo atribui-se a responsabilidadde a uma pessoa devidamente habilitada..." Marcelo era o autor do Códido Administrativo...

 

 

Isto foi apenas um parêntesis no meio da estrada para Mapuçá, muito melhorada diga-se de passagem. Aproveito a ocasião para referir as novas vias rodoviárias que estão constamente em reparação ou mesmo construção. Neste particular tenho de referir o reverso da medalha: o trabalho manual que engloba homens e mulheres com uns olhos trites, dolentes, umas com cestos à cabeça para transportarem terras e gravilhas; outras abrem rasgos no terreno para passarem novos cabos eléctricos ou telefónicos ou manilhas enormes de cimento. Os machos miram as trabalhdoras, conduzem camiões britdeiras, buldozeres, gruas. O asfalto é estendido sem quaisquer cuidados de saúde sem qualqer protecção, com os mesmos olhos cansados e misérrimos; leite nem falar.

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Há garotos a acartar terra,gravilha e betão. Na Índia e naturalmente em Goa o trabalho infantil não tem regras. Nova Delhi já proibiu este atentado contra meninas e meninos - mas da lei à prática...

 

Entretanto sai-nos um engarrafamento monumental por causa dos trabalhos da nova ponte sobre o Mandovi, construída entre as duas existentes. Uns tapumes de plástico ondulado e verde enchem uma boa parte da estrada. Premanand com a sua perícia habitual vai-se safando por entre a cacafonia de buzinadelas, os habilidosos das motorizadas e das vespas e até de riquexós que furam a densidade da confusão rodoviária. Já há muitos pilares prontos aguando os tabuleiros que os unirão. É a maior obra pública do estado de Goa. Uns consideram-me absolutamente necessária, outros dizem que é um exemplo da megalomania do poder.

 

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Por incrível que pareça os trabalhadores do aço que constroem as cofragens para onde entrará o betão, usam capacetes de protecção. Trepam como gatos pelos ferros armados sem qualquer corda qu os segure; se cairem será mais uma desgraça; nem subsídio para o funeral a família receberá. Estes equilibristas sem rede usam os mesmos olhos tristes, mastigam cana de açúcar e, apesar de especialistas, trabalham - mas não sonham. Com a miséria constroem um calvário, o seu calvário e a ponte.

 

É um trabalho muito mal pago, há até quem diga que é uma forma de escravidão, mas penso que esta última afirmação é exagerada. No entretanto os obreiros quais formigascegas lá estão, andrajosos, porcos mas pacientes - é a resignaçaão dos orientais. Pergunto ao Premand quanto ganham estes desgaçados e ele responde que não sabe mas que deve chega para o arroz diário. É a diferença abissal entre os muito ricos e os miseráveis. Isto também é Goa.

 

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20 comentários

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De Agostinho a 25.02.2016 às 23:14

Por um punhado de arroz essa gente ainda carrega, como jumento, inertes na construção?! Pensava que isso tinha acabado há décadas.
Sabemos todos nós que há quem pense que esse sistema está correctíssimo; pugnam pela realização de dietas chamadas, em linguagem neo-económica, ajustamentos que não são mais do que tirar aos magros para que os gordos sejam ainda mais gordos.
Interessante crónica (diferente das habituais) não fosses tu um jornalista emérito. Com muito mérito como se vê. Quem aprende a bicicletar nunca esquece.
Continuação de boas férias.

Abraço o Leãozão e D. Raquel.
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De Henrique Antunes Ferreira a 22.03.2016 às 16:22

Agostinhamigo

Poizé ainda há disto, mil vezes infelizmente, tudo o que escreves motiva-me a dizer-te que concordo 2.364,6%!

Emérito? Só conheço o Panzerpapa...

Comprimentos e larguras da D. Raquelinha e abç do Leãozão

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